
Sape, Cão!
António Torrado (escreveu)
Cristina Malaquias (ilustrou)
Era uma vez um cão com dono...
Era uma vez um gato sem dono...
- Quem vem lá? - pergunta o cão, de focinho no ar, a farejar, a farejar...
Claro que esta pergunta a fez ele muito antes de tudo isto começar - aí a uns duzentos metros desta história.
O gato não tem o faro tão apurado, mas os olhos dele atravessam a distância e pressentem sombras e ameaças, que só ele conhece. Por acaso, desta vez, o gato não ia a olhar para onde devia. Era um gato distraído. Ou míope. Quando se lhe eriçaram os bigodes, já era tarde. À sua frente, de supetão, um cão cãozarrão, voz de trovão...
Que aflição! Foge! Antes que lhe dissessem, já ele tinha fugido. As patas iam à frente, e ele com elas.
Tal como nos filmes de desenhos animados. Este filme é curto. Acaba numa árvore sem frutos, sem folhas, uma árvore mesmo a propósito para salvar gatos. Correu por ela acima e não deu por que subia. Nem que fosse um pinheiro gigante, um mastro, um muro de castelo. Nem que fosse a Torre Eiffel...
De unhas-canivetes-picaretas, com a pressa atarantada em que ia, o gato até era capaz de trepar à Lua, se houvesse escadas para lá chegar. Ficou-se pelo cimo da árvore. Deu por isso quando lhe faltou o apoio. Sobravam-lhe forças para muito mais lances.
- E agora? - perguntou, lá de acima, o gato, engolindo ar.
Ele era preto, como o corvo da fábula, enquanto o cão, mal acomparado, fazia as vezes da raposa. Faltava apenas o queijo. E a manha.
- E agora? - perguntou de novo o gato, mais seguro do seu poiso.
- Agora fico à espera que a árvore dê frutos e os frutos caiam de maduros... - rosnou o cão.
Se nos ficássemos por aqui, esta história não chegava ao fim, o que era pena. Temos nós, portanto, de acrescentar o mais importante da fábula. Sim, porque isto é uma fábula, a do cão, animal doméstico, e do gato, animal vadio...
As conclusões, vocês que as tirem.
- Piloto! - chamou uma voz ao longe.
O cão Piloto fingiu que não era com ele.
- Estão a chamar-te, Piloto. Tens de ir - aconselhava-lhe, do seu poleiro, o gato.
- Sempre ouvi dizer que os cães são muito obedientes.
- Piloto! - repetiu a voz, mais perto e mais impaciente.
O cão rosnou, levantou os traseiros e voltou a sentar-se.
- Piloto, venha já ao dono! - gritou a voz ameaçadoramente perto.
E o Piloto, de cabeça baixa, lá foi, suspirando...
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